Amanhã há de ser outro dia
Não foi surpresa o alívio do governo e da opinião pública quando três tribunais impediram, via liminar, a greve dos aeroviários e aeronautas no último 23 de dezembro. Era véspera de Natal, ninguém queria problemas nos aeroportos, nem o governo tinha interesse em terminar o mandato tendo que enfrentar uma nova crise na aviação.
Poucos se importaram, no entanto, com a dimensão das ações que impediram a greve dos trabalhadores, e isso é assustador. A atitude antidemocrática, ferindo brutalmente a Constituição, foi tomada tendo como argumento o direito do povo brasileiro de ir e vir. É justo. Mas será que desta forma, com liminares impedindo que até 90% dos trabalhadores aderissem a greve, quando o usual é que, em serviços essenciais, 30% dos trabalhadores permaneçam em seus postos?
Como ficariam os enfermeiros, garis, médicos, condutores, se a Justiça determinasse que, nesses serviços essenciais, 90% dos trabalhadores não pudessem aderir à greve? Foi o que aconteceu com aeroviários e aeronautas. É o fim do direito de greve no Brasil? Esperamos veementemente que não e acreditamos que esse assunto deve ser discutido no Congresso, através de projeto de lei, visando regulamentá-lo com urgência. Defendemos, acima de tudo, o direito de greve como forma para pressionar patrões por melhores salários e condições de trabalho, que é a razão indiscutível desse recurso.
Não é isso que defendem as centrais sindicais, os partidos comprometidos com os trabalhadores? Porque então tanto silêncio diante dessa afronta a um direito constitucional do trabalhador brasileiro? Ah, era Natal, e no Natal a família brasileira tem o direito de viajar, visitar seus entes queridos, não passar a data nos saguões dos aeroportos. É justo também. Mas então fica a pergunta: é certo que um trabalhador que pilota um avião, atende os passageiros, carrega suas bagagens, inspeciona e conserta aeronaves... trabalhe o dobro do que deveria, perca ano a ano seu poder de compra e sustento, faça o serviço de dois, três colegas demitidos, viva sob assédio moral, para que as companhias lucrem absurdamente? Podemos perguntar também: é certo que as empresas aéreas vendam mais passagens do que sua capacidade, deixando de um lado passageiros "na mão" e de outro funcionários em número mínimo para atender reclamações e pessoas transtornadas devido à falta de planejamento das companhias? E por último: se o governo concede às empresas aéreas o direito de explorar esse mercado, não caberia a ele multá-las de fato quando desrespeitam o direito dos passageiros e as leis trabalhistas?
Se desde setembro estávamos em campanha salarial, esperando que as empresas aéreas apresentassem uma proposta de aumento real dos salários, em uma negociação que só depois do dia 23 começou a acontecer de fato, não poderiam governo, empresas, Judiciário terem tomado atitudes mais democráticas, eficazes, justas para com os trabalhadores e passageiros, como por exemplo envidar esforços por uma negociação célere e produtiva que evitasse qualquer necessidade de greve às vésperas das festas de fim de ano.
Não foi o que ocorreu. O que vimos foi uma atitude implacável das empresas em proteger seus lucros, a omissão do governo e uma corrida de última hora para barrar a greve, custasse o que custasse. Conseguiram, mas todos os trabalhadores brasileiros perderam com isso. Pois qualquer categoria que atue em serviços essenciais poderá ter sua greve proibida por determinação judicial daqui pra frente. Isso, é claro, se o povo mais humilde que precisa dos médicos do SUS for tão importante quanto os usuários do transporte aéreo nas festas de fim de ano. O que vimos foi mais que hipocrisia, foi um ataque à democracia, e não podemos nos calar.
Felizmente, as negociações têm avançado com as empresas e esperamos para as próximas semanas a conclusão desse processo com a renovação da convenção coletiva de aeroviários e aeronautas, garantindo aumento real dos salários. Esperamos, pois a greve não é o interesse dos trabalhadores, mas uma necessidade que torna-se real diante de situações de impasse intransponíveis.
Esperamos que ações de municípios longínquos, como Jacaré dos Homens (no interior de Alagoas), visando barrar uma greve nacional no setor aéreo não mais aconteçam. Que os trabalhadores não tenham mais sua liberdade cerceada pela indústria das liminares dos plantões impondo multas de milhões de reais contra os sindicatos de trabalhadores. Não soa tudo tão estranho? Não é absurdo que funcionários das companhias aéreas sejam submetidos a condições tão precárias de trabalho sem direito a protestar?
Em um Estado Democrático de Direito, o direito de manifestação não pode ser tolido de forma arbitrária, autoritária, ditatorial. Esse não é o Brasil que queremos, em que patrões enriquecem às custas da exploração dos trabalhadores, pondo em risco a vida e a segurança de voo.
Depois da "ameaça de greve" contida, o caos se fez presente em todos os principais aeroportos, por culpa das empresas e da omissão dos órgãos públicos. E como em todos os últimos anos, a Anac mais uma vez encenou suas medidas e o governo fez crer que todas as ações vêm sendo tomadas para melhorar o atendimento nos aeroportos, quando na verdade estamos assistindo ao desmonte do setor aéreo para entregá-lo de bandeija ao capital internacional.
Não vamos nos calar e contamos com a consciência de todos os trabalhadores, das mais diversas categorias, nessa batalha. E fazemos um apelo para que as centrais sindicais ajam com firmeza diante desses fatos, em defesa da Constituição brasileira, do cumprimento da Política Nacional para a Aviação Civil (PNAC), da soberania do país. Porque o direito de ir e vir do povo brasileiro em asas brasileiras está em jogo. Nós, trabalhadores, precisamos mudar esse jogo, defender a democracia que muito nos custou para ser retomada.
Desses fatos não podemos esquecer.
Escrito por: Celso Klafke, presidente da Federação Nacional dos Trabalhadores em Aviação Civil da CUT (Fentac/CUT)
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